Introdução: Certa vez, minha sobrinha, que pertence a uma igreja reformada, ao ler alguns artigos que escrevi, abordou-me: “Tio, você é pentecostal, mas cita muitos autores reformados”, então, respondi que a denominação da qual faço parte, de tradição pentecostal, estava abraçando algumas doutrinas reformadas. Sua resposta final foi: “Que lindo!”.
É cada vez mais crescente o número de pentecostais que busca entender as doutrinas reformadas. Tenho o privilégio de estar sob uma liderança que tem me instruído a buscar esta aproximação. Bispo Walter McAlister tem sido um dos instrumentos de Deus para promover esta convergência entre as tradições pentecostal e a reformada e, certamente é uma das pessoas mais qualificadas para falar sobre o assunto, tendo publicado diversos vídeos em seu canal no Youtube[1] , ministrou um excelente curso para abordar este tema (o curso pode ser encontrado no site www.annodomini.com.br com o nome de Pentecostal Reformado) que se transformou em livro (O Pentecostal Reformado) publicado pela Editora Vida Nova.
Num de seus vídeos, Bispo Walter McAlister define assim, o que é um pentecostal reformado: “é alguém que afirma as suas origens, não tem vergonha das suas origens, mas que está disposto a repensar tudo, à luz das Escrituras, está em constante avaliação de si mesmo, de suas tradições e de sua história recente, mas que abraça firmemente as Doutrinas da Graça, o fato de que Deus é Soberano e que somos salvos pela Graça de Deus somente”[2].
Confesso que meu primeiro contato com as doutrinas reformadas não foi fácil. Termos como: Depravação Total, Eleição incondicional, Expiação Limitada, Graça irresistível e Perseverança dos Santos não são fáceis de serem digeridos, especialmente para quem nasceu na tradição pentecostal. É necessário ler e reler estes conceitos para entendê-los melhor e perceber a ligação entre eles. Depois de muita leitura, hoje já posso entender a coerência e a finalidade principal da teologia reformada, que busca primordialmente a glória de Deus.
TRADUTIBILIDADE POSSÍVEL
É possível ser pentecostal e reformado? A grande maioria responde com um sonoro “Não”. Realmente, buscar a aproximação entre duas tradições é algo ingrato, é preparar-se para ouvir críticas de ambos os lados. Mas deixe-me usar um conceito do filósofo Alasdair MacIntyre que trata da possibilidade de aproximação de tradições filosóficas diferentes, ele diz:
“A compreensão de uma tradição pelos adeptos de outra pode implicar uma série de tipos diferentes de resultado: compreender pode implicar a rejeição imediata a respeito daquilo sobre o que divergiam; ou pode levar à conclusão de que as questões que separam as duas tradições não podem ser resolvidas; e, em casos raros, mais cruciais, como já observamos, compreender pode levar ao julgamento de que, pelos padrões da tradição de alguém, a posição da outra tradição oferece recursos superiores para a compreensão dos problemas e das questões que sua própria tradição enfrenta”[3].
Obviamente a preocupação do filósofo refere-se às tradições filosóficas, mas creio que podemos usar a sua ideia, especialmente na parte final da citação, para aplicarmos ao diálogo entre as tradições pentecostal e a reformada.
Em primeiro lugar, creio que a tradição pentecostal deve reconhecer que existem recursos, na tradição reformada, que são superiores e podem auxiliá-la a progredir. Alguns destes recursos são: sua organização; seu sistema teológico bem definido e conhecido; seu rigor no trato com o texto bíblico, usando o método hermenêutico histórico-gramatical; sua valorização à pregação expositiva; e, especialmente, as suas confissões de fé e seus catecismos, como o de Westminster. Certamente que a Tradição Pentecostal tem sido importante para a expansão do Evangelicalismo no Brasil (e no mundo), mas carece de uma melhor formulação teológica, pois se utiliza, de forma acentuada, do método alegórico em suas pregações.
Sem este reconhecimento, de que a Tradição Pentecostal deve buscar estes recursos, a aproximação entre estas tradições não avançará. Mas, uma vez que isto seja feito, o próximo passo deve ser a busca de uma tradutibilidade destes recursos e doutrinas para dentro da Tradição Pentecostal. Essa tradutibilidade é algo semelhante ao que ocorre na tradução de um texto de uma língua para outra. Existem palavras que têm seus correspondentes na outra língua e casos que não terão. Há conceitos e práticas, da Tradição Reformada, que deverão ser acomodadas como são e outros que sofrerão alterações para serem inseridos na Tradição Pentecostal. Talvez isto provoque a criação de neologismos para expressar bem o que se quer dizer.
AMEAÇAS AO DIÁLOGO
Certamente que esta não é uma tarefa fácil e admiro aqueles que se propõem a assumir o risco de buscar este entendimento, mas para que este diálogo avance é necessário destacarmos as ameaças que tentam impossibilitar o mesmo. Vejamos:
Falta de abertura para o conhecimento: Será impossível o entendimento das doutrinas da graça se não criarmos em nós uma abertura para conhecê-las, como elas se apresentam. A discordância por antipatia é um caminho mais fácil do que a discordância por conhecimento. É importante conhecer para dizer que não concorda. É importante que o pentecostal, ao decidir se aproximar da teologia reformada, faça isto com o intuito de entendê-la bem, tanto naqueles pontos mais fáceis de serem abraçados, quanto naqueles que, possivelmente, serão rejeitados. Para isto é necessário ler e ouvir bons autores, estando com coração aberto. Destaco alguns (certamente que a lista pode ser ampliada e melhorada) que apresentam bem a Tradição Reformada: João Calvino, Martinho Lutero, J.I.Packer, R.C.Sproul, John Owen, C.H.Spurgeon, Augustus Nicodemus. E, mais precisamente, a respeito do assunto pentecostal reformado sugiro o livro “O Pentecostal Reformado” do Bispo Walter McAlister.
A rabugência dos neo-reformados: É comum quando alguém começa a se identificar com as doutrinas reformadas, achar que aqueles que não concordam com a mesma se tornam um bando de ignorantes e hereges. Alto lá! O espectro teológico-cristão é amplo, compreendendo tradições que vão desde os Coptas até uma igreja que surge na atualidade. Devemos ser fraternos com todos os irmãos, mesmo com aqueles que não abraçam a mesma visão teológica nossa. As piadas nas redes sociais, as ofensas gratuitas, a critica superficial em nada contribui para esta boa convivência de tradições. Vejo com muito pesar este tipo de ações. Recentemente, um querido pastor amigo, ficou muito irritado com um site que usou colocações suas para fazer piadas com outra tradição teológica. Não existe grupo perfeito neste campo, todos devemos manter o respeito e a boa convivência com irmãos de outras tradições.
A timidez na promoção deste diálogo: É necessário que aqueles que possuem maturidade para ajudar no diálogo entre pentecostais e reformados façam isto, vencendo a timidez e/ou medo de serem criticados. Conheço irmãos piedosos e capacitados que podem publicar e disseminar esta ideia. A necessidade é grande que homens de Deus, que vivem esta realidade de serem Pentecostais e, ao mesmo tempo, se identificam com Tradição Reformada, se apresentem e falem mais sobre este diálogo. Mais uma vez, quero agradecer o esforço do Bispo Walter McAlister em iniciar este processo dentro de nossa denominação e se apresentar publicamente como um propagador deste diálogo.
CONCLUSÃO
O futuro é algo difícil de prever, mas o que se espera é que esta busca pela teologia reformada, por parte dos pentecostais, produza uma maturidade espiritual e teológica e, ao mesmo tempo, faça diminuir alguns excessos que ocorrem neste segmento da Igreja Brasileira. As primeiras sementes estão sendo plantadas, há muitos jovens pentecostais que estão com sede de uma teologia e de um conhecimento mais consistente. Reafirmamos que a Tradição Pentecostal é e continuará sendo de extrema importância para a expansão do Evangelho, mas acreditamos que este movimento de pentecostais que abraçam as doutrinas da graça continuará crescendo e por isso precisamos preparar o caminho, criar materiais: livros, confissões de fé, catecismos que definam bem o que é ser um pentecostal reformado, para que este crescimento seja realmente saudável e produza glória e honra ao Deus Soberano, seguindo o lema dos reformadores: “Ecclesia reformata et semper reformanda est”[4]!
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Canal Youtube do Autor: https://www.youtube.com/channel/UC6uktE6fFEWg9l0bX-S7_LQ
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[1] O nome do canal é: Bispo Walter McAlister
[2] Pesquisado em https://www.youtube.com/watch?v=7bZOr5etz94 Neste link o Bispo Walter McAlister responde a pergunta “O que é um pentecostal reformado?”
[3] MACINTYRE Alasdair, Justiça de quem? Qual Racionalidade?, Edições Loyola, pg.397
[4] Igreja Reformada está sempre se reformando
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